A relação entre a Maçonaria e o mundo islâmico é marcada por um paradoxo histórico: enquanto a Ordem incorpora símbolos e motivos do Oriente Médio em seus rituais, enfrenta hostilidade generalizada nessa região. Desde o século XIX, a Maçonaria expandiu-se por países árabes e islâmicos, principalmente sob influência colonial europeia, mas sua trajetória foi interrompida por perseguições políticas e religiosas. Atualmente, apenas Israel e Líbano abrigam Grandes Lojas ativas, enquanto na maioria das nações islâmicas a Maçonaria é proibida ou operante em clandestinidade.
Contexto Histórico e Geopolítico
A presença maçônica no Oriente Médio e Norte da África remonta ao século XIX, com lojas estabelecidas por potências coloniais como Grã-Bretanha, França e Itália. No Egito, por exemplo, a Maçonaria floresceu no século XIX sob charters britânicos, franceses e italianos, congregando elites multiculturais. No entanto, após a Revolução de 1952, Gamal Abdel Nasser baniu a Ordem, associando-a ao colonialismo e ao sionismo. A expulsão de estrangeiros e o confisco de propriedades maçônicas consolidaram a narrativa de que a Maçonaria era uma ameaça à soberania nacional.
No Irã, a Revolução Islâmica de 1979 resultou na destruição completa da Maçonaria. A Grande Loja do Irã, com 43 lojas e mais de mil membros, foi dissolvida, templos foram saqueados e maçons enfrentaram execuções ou exílio. Casos como o de Marrocos ilustram exceções: em 2000, a Grande Loja Nacional Francesa (GLNF) obteve permissão para estabelecer lojas, desde que evitassem discussões políticas e religiosas — uma estratégia que permitiu sobrevivência limitada sob vigilância estatal.
A Raiz da Hostilidade: Religião e Política
A oposição islâmica à Maçonaria baseia-se em percepções distorcidas, frequentemente alimentadas por governos autoritários. Em 1978, o Colégio Jurisdicional Islâmico emitiu um decreto acusando a Maçonaria de ser uma “organização judaica e sionista”, promotora de ateísmo e conspirações contra o Islã. Documentos como o livro Freemasonry in the Arab World (Hussein Omar Hamada, 1964) reforçaram teorias conspiratórias, vinculando a Ordem a clubes como Rotary e Lions como “fachadas” para atividades subversivas.
No Egito, a desconfiança foi exacerbada pelo caso do espião Eli Cohen (1965), membro de uma loja local, que alimentou a ideia de infiltração sionista. Autores como Karim Wissa argumentam que partidos revolucionários egípcios, embora não formalmente maçônicos, absorveram ideais de sociedades secretas europeias, especialmente as ligadas ao Grande Oriente da França, conhecido por seu anticlericalismo e republicanismo.
Casos Paradigmáticos
· Arábia Saudita: Apesar da proibição formal, lojas patrocinadas por trabalhadores estrangeiros existiram brevemente nos anos 1960, mas foram suprimidas pela polícia religiosa.
· Turquia: Único país islâmico secular, a Turquia abriga uma Grande Loja reconhecida globalmente, graças à herança reformista de Kemal Ataturk. A Maçonaria turca, inicialmente associada a movimentos constitucionalistas no século XIX, hoje opera em harmonia com o Estado laico.
· Indonésia e Malásia: Enquanto a Indonésia baniu a Maçonaria em 1965, a Malásia permite lojas sob supervisão governamental, com membros majoritariamente da minoria chinesa, não muçulmana.
Conclusão: Entre Perseguição e Adaptação
A hostilidade árabe-islâmica à Maçonaria deriva menos de dogmas religiosos e mais de traumas históricos — como o colonialismo e o conflito árabe-israelense —, aliados à instrumentalização política da religião. A associação entre Maçonaria e sionismo, embora infundada, persiste como justificativa para repressão.
A reintrodução da Maçonaria em Marrocos sugere que o diálogo com governos é possível, desde que a Ordem evite envolvimento político e respeite sensibilidades locais. No entanto, o avanço do fundamentalismo e a ausência de resolução para o conflito palestino dificultam perspectivas de reconciliação. Enquanto isso, a Maçonaria em países como Turquia e Malásia demonstra que a coexistência é viável em contextos secularizados ou pluralistas, oferecendo um contraponto à narrativa de incompatibilidade entre Islã e Maçonaria.